segunda-feira, 14 de abril de 2014

FICÇÕES DA CRUZ: PAI, PERDOA-LHES!

Jaziel estava entre os que gritavam.
Ele não conhecia a todos e nem todos vinham de Caná, como ele. Veio a pé, para a Páscoa, misturando-se com outros no caminho. Veio parando, que não tinha pressa. Nem contou quantos dias gastou, mas deve ter dado uns 12.
Hospedou na casa da tia Rebeca, que nunca saía. Ela achava a festa muito barulhenta e comemorava o êxodo em casa. Desde que o marido morreu, ela foi morrendo também; por isto, recebeu com alegria o sobrinho em casa.
Jaziel, como todo jovem aos 24 anos, gostava de festa.
Não era tempo de colheita de romãs na pequena fazenda do pai. Podia sair. 
A tia não se importava que saísse, desde que voltasse antes do sábado começar.
Saiu cedo e foi seguindo as pessoas. Parece que todos iam para o mesmo lugar. 
Ninguém podia entrar. Ninguém simples. Ninguém simples podia entrar na Fortaleza Antônia, de onde Pôncio Pilatos governava, quando estava em Jerusalém.
Do lado de fora, entre tantos que queriam saber o que estava acontecendo, Jaziel viu Pilatos no alto da escada. Todos falavam ao mesmo tempo.
Do lado dele, estava um homem, de cabeça baixa, aparentando cansaço. Pilatos gritou para a multidão.
-- Vou lhes soltar Barrabás.
-- Não.
Jaziel não entendeu. Procurou se informar.
O homem ao lado de Pilatos se dizia o Messias, o Messias tão esperado por Israel.
Os sacerdotes tinham certeza que era um impostor.
Jaziel se lembrou que na sua terra também apareceu um homem que andava pregando, mas ele ficava mais em Cafarnaum, na beira do lago Kinereth. Nunca o ouviu, mas ouviu falar dele; não sabia se era a mesma pessoa ali do alto da escadaria.
Se era um impostor, tinha que ser punido. Crucificar era forte, mas tinha que ser punido. O Messias ainda haveria de vir.
-- Crucifica-o.
De tanto ouvir o grito seguro, Jaziel também gritou, seguindo a onda:
-- Crucifica-o.
O impostor entrou na Fortaleza.
Meia hora depois voltou. Condenado.
Soldados o levavam. Jaziel já sabia para onde o levariam. 
Ele teria que carregar a barra horizontal da cruz até o alto do morro do Crânio. Ali todo mundo veria. Ninguém mais ia dizer que era o Messias. A lição era necessária.
Jaziel ficou preocupado com a tia e voltou para a casa dela.
Ela não fez perguntas. Ele voltou para a rua. Saiu pela porta da Ovelha. Queria ver a crucificação.
Tinham acabado de chegar. Jaziel ficou olhando. Em Caná, essas coisas não aconteciam. Sabia que os romanos eram bons em crucificar, mas nunca tinha visto ninguém morrer assim.
Ficou perto da cruz. Uns 10 metros. Eram três cruzes, mas ele não sabia quem eram os outros dois. Deviam ser impostores também. Perto das cruzes, tinham várias pessoas, além dos algozes. Estavam ali umas mulheres, que Jaziel não conhecia. Estavam ali alguns homens, que Jaziel nunca vira.
Terminaram de cravar os pregos. Cada martelada era um gemido. Quando chegou, só faltavam os pés. Deu para ver os soldados cruzando os pés do impostor e cravá-lo firme na barra vertical. Gemidos. 
Os soldados se afastaram como que para admirar o seu trabalho.
O impostor sofria em silêncio.
Então, levantou um pouco a cabeça. Jaziel pôde ouvir. Era uma oração:
-- Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que estão fazendo.
-- O que ele disse?
-- Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que estão fazendo.
Não era um grito. Era um pedido.
O impostor falara suave:
-- Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que estão fazendo.
Jaziel começou a ficar intrigado. 
De novo, silêncio, mas a oração não deixava seu coração. Na verdade, ele estava repetindo a frase, para ver se entendia melhor. O impostor estava sendo crucificado. Ele ora, mas não pede por justiça, não pede fogo do céu. Pede perdão por aqueles que o matavam.
Pede perdão por aqueles que gritaram "crucifica-o".
Pede perdão por mim, que gritei, meio sem saber, "crucifica-o".
Seria ele um impostor?
Pouco depois, o homem morreu. A terra tremeu. Jaziel temeu. 
Chegou mais perto. O centurião romano disfarçava a emoção, enquanto limpava as lágrimas:
-- Este homem era mesmo o filho de Deus.
Jaziel repetiu na hora:
-- Este homem era o filho de Deus.
Tentou se aproximar mais. Não deixaram. Agora, acontecesse o que acontecesse, Jaziel sabia que tinha encontrado o Messias, pena que tão tarde.
Se soubesse disto antes, Jaziel o teria seguido.

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